quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Pele Que Habito (2011) (Pedro Almodóvar)

 
  Pedro Almodóvar traz o doce sabor da vingança amarga, cheia de ressentimento e psicose, obsessão, qualquer coisa que traduza aquela vingança buscada a todo custo, mais forte que o luto ou a mágoa, pois é latente, não crônica, como estas últimas. Um emaranhado de situações brutais nos traz para dentro dessa sucessão de erros e mágoas. E um final surpreendente. É difícil falar sobre esse filme sem revelar o enredo como um todo, mas vou tentar, mesmo porque quase todo mundo já tem uma ideia do que Almodóvar é capaz de fazer, com histórias tragicômicas, digna de novelas, ele transforma em filmes geniais, verdadeiras obras de arte, onde percebe-se nuances intrínsecas a sua obra peculiar, tais como: uma sensualidade quase esdrúxula, humor ácido, situações satíricas e sarcásticas, ou realmente dramáticas. Nesse filme, cujo protagonista é um médico, que perdeu a filha, que tinha ficado esquizofrênica após sofrer abuso sexual em uma festa de casamento, esse médico e pai, viúvo, ressentido, e rancoroso, eu diria, o que o torna um anti-herói, pois eis que ele fica tão abalado com a perda da sua filha, que ocorreu da mesma forma da morte da sua mulher: ambas se suicidaram - em contextos e épocas diferentes. Assim, o diretor mais uma vez trata de temas pesados de forma que chega a ser leviana, mas não menos profunda: suicídio, assédio, esquizofrenia (a filha do médico, que se suicida), a perversão / psicose / obsessão (no caso do personagem principal que se vinga, ou do assediador de sua filha), da neurose, que seja, quando o desejo de reparar um erro se acaba tornando pior que o próprio erro em si. No entanto, não é um filme moralista sobre a vingança, pois as consequências são inesperadas. E mais uma vez, Almodóvar consegue tornar o que seria o roteiro de um dramalhão em um filme de tirar o fôlego.

por Gabriela Ziegler (editado de texto original de março de 2012)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Pink Floyd - The Wall (1982)




  Ao assistirmos esse filme, um musical baseado no álbum The Wall da banda Pink Floyd, e que foi lançado em 1982, sentimos do fundo da alma o estado depressivo do personagem principal, perdido em meio às lembranças do passado, à letargia de assistir televisão, e em meio às drogas. O filme critica nossa sociedade, a educação retrógada, o conformismo, a intolerância às pessoas e às diferenças, questiona o sexo, o amor, enfim, todos sentimentos inerentes ao ser-humano. Pink Floyd - The Wall, embalado pelas maravilhosas músicas de Pink Floyd, e que teve o aval dos músicos da banda, na formação da época, é um filme essencial.
  Na verdade, tanto o álbum The Wall quanto este filme foram uma homenagem ao Syd Barrett, que no caso do filme foi representado pelo personagem principal, Pink. Quem realmente é fã de Pink Floyd precisa ver esse filme, que, muito mais do que um filme-homenagem ou um musical, é um filme catarse, é uma obra de arte, um expoente do que foi uma das mais marcantes bandas de rock progressivo, uma crítica social, um grito de socorro ante ao desespero de ser humano, uma questão existencial jogada no espaço. Assistam, ponto final.

por Gabriela Ziegler

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Cisne Negro (2011)






O delicado delírio histérico-psicótico e a beleza macabra do narcicismo, do sexo, da dança (e) da morte, deste filme de Darren Aronofsky, que rendeu o Oscar de Melhor Atriz à Natalie Portman, nos traz para dentro de sentimentos muito peculiares.
  A história resume-se no seguinte: a bailarina Nina quer o papel principal de Rainha dos Cisnes, que irá incorporar as duas irmãs: o Cisne Branco e o Cisne Negro. Porém, ela tem medo de perder o papel, e a chegada de uma concorrente, Lily, acentua esse medo, e faz também ela defrontar-se com lados de sua própria personalidade que ela insiste em negar. Ela então envolve-se com Lily, numa tentativa desta de 'esquecer as diferenças', indo para uma festa com ela e consumindo drogas.
  Nina a partir de então vive uma série de delírios, onde tudo ao seu redor parece desmoronar, desde sua própria imagem até o mundo ao seu redor, e onde todos parecem querer pesegui-la e destruí-la. Ela acredita estar se transformando em um cisne, e possuir dentro de si ambos os cisnes. Ela acredita ter tido uma relação sexual com ela, quando na verdade foi um delírio dela, e acredita ferir a outra, quando na verdade feriu a si mesma. Em seu espetáculo final, ela dança  toda a dor de uma vida, e embora esteja dançando com sua companhia de dança, ela dança centrada em si mesma, em seus sentimentos, e pode ainda ter um último vislumbre de sua mãe, emocionada com a filha.  
  Ao presenciar esse espetáculo, nós temos a impressão de também estar dançando,  bela porém sofridamente, podemos sentir na pele todas sensações e desesperos tão comuns a todos nós. O corpo, que é a casa de nossa alma, sofre junto com ela, vive com ela, morre com ela. E a nossa sociedade às vezes nós faz ou sobrevalorizar ou alienarmo-nos de nossos corpos, daí a origem das neuroses modernas.
   Nina espelha em Lily tudo que ela tem medo de ser: sensual, autoconfiante, arrogante, corajosa, livre. Esses aspectos nela são tão reprimidos que ao se deparar com essa imagem, tudo isso surge à tona nela, na forma do Cisne Negro, em oposição ao Cisne Branco, que o seu diretor diz que condiz mais com sua personalidade. Então esse lado "mal" é despertado nela, e é quando ela quer destruir tudo que a acorrenta, desde a rival, a mãe superprotetora, e a própria vida enfim. 
  Há um sentido muito mais místico por trás de tudo isso: há o Feminino, o Yin, em oposição ao Masculino, o Yang; os arquétipos da mulher boa e da mulher má; o amadurecimento sexual e emocional; o nascimento de asas; a analogia ao Patinho Feio, que na verdade é um cisne; os nossos espelhamentos no outro; o nosso lado obscuro que teimamos em fingir que não existe; as hierarquias na arte; as tradições da arte; o sonho de libertação, enfim.

Enter the Void – Gaspar Noé - 2009






















            Gaspar Noé conta a história de um casal de irmãos americanos que se muda para Tókio depois de perderem os pais em um violento acidente de carro na infância; o garoto se torna traficante e morre em cilada preparada por um amigo, a garota se torna prostituta e gera um filho no qual o irmão reencarna.
            A essência não está na história, mas em como é contada. A visão do espectador vem dos olhos do protagonista, Oscar, com todas as distorções e profusão de cores de um caleidoscópio eletrocutado, efeito das drogas utilizadas. A principal é o DMT - dimetiltriptamina, substância psicodélica também liberada quando morremos. Oscar compra as passagens para a irmã com o dinheiro das drogas vendidas em festas. Na primeira vez que utiliza, a menina é convidada a se tornar dançarina, e logo passa a dormir com clientes da casa e se torna amante do dono.
            Os irmãos viveram uma infância turbulenta. Em um acidente de carro perdem os pais que davam tanto amor e passam a viver em orfanatos, chegando a experiência traumática de se separarem. Em Tókio se reencontram muito imaturos e jovens para uma vida independente, o que os deixa propensos aos encantos da vida noturna. As cenas de sexo se misturam com outras de momentos em família, o bebê mamando nos seios da mãe, o garoto transando com a mãe do amigo que o denuncia à polícia.
            Oscar morre e vivencia o que leu em um livro sobre espiritualidade tibetana. Depois da morte se depara com as cenas da vida, da infância ao presente. Faz viagens aéreas entre as realidades dos personagens. Acompanha a saga do amigo que o emprestou o livro , que fugitivo da polícia passa a comer lixo; e do outro que o denunciou fazendo-o levar um tiro, que vive a culpa amarga e um drama familiar por razão da transa da mãe com amigo agora falecido; e a irmã, que depois do aborto tem um filho do dono da boate, e nesse filho reencarna Oscar. O renascimento cessa a “bad trip”, que resultou de uma promessa à irmã de que não deixaria o mundo dos vivos . No budismo esse renascer em outro corpo não é bem a reencarnação do espiritismo, mas o aprisionamento no ciclo de sofrimento da vida e morte do sansara. 
As cenas em primeira pessoa de Oscar sob efeito do DMT já causam vertigem, mas se tornam mais intensas quando o garoto morre e inicia sua "viagem astral". Câmera trêmula, ângulos e perspectivas distorcidas, luzes extremamente agressivas. Claustrofobia de locais fechados e atulhados de objetivos luminosos, ruas estreitas, quitinetes, boates lotadas, strobos multicores, som vertiginosa, parafernálias tecnológicas em um verdadeiro parque de diversões alucinógeno.
Enter the Void se coloca ao lado de clássicos como Irreversível (do mesmo diretor) e Saló, em quesito vertigem e agressividade. Também penso em Shame, traçando um paralelo em comum entre o casal de irmãos dos dois filmes, das histórias ocultas dos personagens de Shame preenchidas pelos órfãos de Gaspar Noé.


Por Winie Vasconcelos.